Nossos espelhos quebrados

Ontem saímos do vetusto monumento dos leões, bem ali, na rotunda da boa vista. Fomos para o parque da cidade, aqui na cidade do porto em Portugal. Em todo o instante estávamos sob a contemplação das rodas de nossas vidas, as que giram na bicicleta e as que correm por dentro de cada um de […]

Ontem saímos do vetusto monumento dos leões, bem ali, na rotunda da boa vista. Fomos para o parque da cidade, aqui na cidade do porto em Portugal. Em todo o instante estávamos sob a contemplação das rodas de nossas vidas, as que giram na bicicleta e as que correm por dentro de cada um de nós. 

Nosso momento de tricotagem era estabelecido pelo fio da lã ausente e pelo lenço que voava de uma para a outra a tecer entre nós uma espécie de magia plácida, a contaminar a todas com nossas verdades individuais e que, naturalmente, era tomada por uma contaminação coletiva. Antes de sair de casa, roguei à Atenas e à Artemis por suas proteções e sabedorias, para que eu tivesse um manto sagrado e que pudesse envolver cada mulher presente. Por mais que eu descreva para vocês, minhas leitoras, jamais conseguirei transmitir o que foi de fato aquilo. Ficamos contagiadas por uma espécie de líquido imaginário que acessa às esferas de nossa consciência e nos faz dizer coisas guardadas à sete chaves.  Poderia muito bem justificar a vocês que teria sido o bom vinho e a boa companhia, mas parece-me de maneira muito invulgar que se encontrava, ali, algumas deusas, uma vez que cada uma buscava recordações de nossas fêmeas ancestrais, e muitas delas já mortas. Ficamos por mais de duas horas e ninguém queria, dali, sair. 

Fomos mulheres que gritámos por dentro a nos libertar de laços ancestrais, de nossas linhagens que muitas vezes nos fazem mal. E outras, apenas seguimos sem lembranças, pois nossas histórias não precisam ser tecidas por mulheres boas e más, simplesmente cortamos os laços e seguimos em frente. Mesmo porque, no final de tudo, essa divisão de bem e de mal ela não importa e não existe, cada uma é o que é e temos de nos aceitar e entendamos. Seguimos em frente como lobas determinadas que na hora de cuidar de sua alcateia cuida como ninguém, porém quando tem de ir, simplesmente vai. A liberdade pode durar séculos ou muito mais, não importa, saberemos, em nossa resiliência, aprender com todas as adversidades e lutar por nossa própria alegria.

Seguir nossos caminhos, quebrar nossos próprios reflexos e espelhos, é o que vale. 

Somos mulheres sobre rodas de uma linhagem milenar. Acreditem!!!

Elizângela Pinheiro

Parque da cidade, Porto, Portugal

07/09/2020